Introdução

Em julho do ano de dois mil e nove fui a Valparaiba com a intenção de digitalizar alguns poemas de minha mãe. Ela ficou um pouco indecisa no inicio, quando falei o que eu ia fazer, mas depois concordou. Ficou ao meu lado explicando onde estavam os cadernos e o que continham. O quarto era pequeno e simples. A foto da mãe na parede, uma cama estreita, uma pequena escrivaninha e o grande baú com o espelho oval de cristal. A idéia de publicar um livro com os poemas de minha mãe começou a amadurecer logo após minha cirurgia. Eu tinha que ficar em casa e aproveitei o tempo para escrever o livro “dez segundos”. A experiência com a publicação do livro levou-me a pensar em fazer uma homenagem a minha mãe. Ela escrevia desde mil novecentos e sessenta e quatro, todos os dias infalivelmente. Contou-me que sua inspiração no inicio vinha de Antero de Quental, poeta português do século dezenove. Como e porque ela começou a escrever é outra história. Eu sabia que a quantidade de poemas era enorme, mas não tinha um numero em mente. Quando ela abriu o baú lá estavam. Eu contei dezessete pilhas de cadernos brochura de cem folhas. Cada pilha tinha cerca de trinta cadernos. Eu calculei então um total aproximado surpreendente de cem mil poemas. Minha intenção inicial era selecionar alguns poemas que eu considerasse representativos da obra, mas logo vi que seria impossível. Adotei então um critério simples de seleção. Os cadernos estavam agrupados em pequenos blocos amarrados por fitas. Cada bloco de cadernos compunha uma serie (ver índice da obra). Eu retirava um caderno do bloco e copiava um poema aleatoriamente. Desta forma esperava extrair algo representativo da obra. Nem ao menos li os poemas que eu copiava naquele momento. Esta atividade tomou-me todo o dia e avançou pela noite. Os poemas copiados foram posteriormente digitados e organizados por ordem cronológica. Acrescentei a seleção, alguns poemas da fase inicial da série “Poemas da minha alma transbordante”.
O titulo “jardim de Rosas” foi escolhido como referencia ao poema “Minha luta não terminou” da pagina 72. Como eu ainda não o construí, espero que este livro tenha o perfume das flores de um jardim para ela.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Você e Eu
Estamos à beira d’água, você e eu.
Olhando o lago, a profundeza,
O passado, o presente, o futuro, meu e seu.
Um só destino nosso com certeza.
Nenhum mistério que não desvendamos.
Magos que somos podemos saber
Tudo quanto fomos e encontramos,
Averdadeira causa de viver.
Estamos à beira d’água, e a planura
Leva-nos a um estado de esplendor
Além da vida e da morte, sem temor.
Sem mistério, sem rancor, a quietude
Com sua leveza de virtude,
Dá-nos a benção dos seres imortais.
Dezembro/2002
Série: Emoções

sábado, 1 de novembro de 2014

A taça dos mistérios

Erguendo a taça dos mistérios
Celebro a vitória sobre o mal.
A queda de todos os seus impérios
E a retomada do curso natural.
E o que deveria ser será
Como foi prescrito e foi negado
Pelo mais violento que há
Em todo o império constelado.
Erguendo a taça dos hermetismos
Celebro a abertura dos abismos
Para onde irão os cúmplices fanáticos.
Para eles haverão grilhões de ferro,
Cavernas para abrigá-los dos vendavais,
Das tempestades dos mundos abismais.
Julho/2002
Série:Celebrações

sábado, 4 de outubro de 2014

Fumigações de incenso sobre brasas
Elas guardam as nossas paixões,
Que nos fizeram errar tanto.
Fumigações de ossos que sobraram
E resguardam o que foi de nossos corpos.
Incenso de resinas de nossos cabelos,
Últimos redutos do que fomos.
A nossa destruição é aparente
E não podemos nos aborrecer com as ruínas.
A vida é um constante milagre
Que vivemos sem valorizar
O quanto somos cúmplices e herdeiros
Desses milagrosos momentos.
Do punhado de pó,
Das cinzas frias,
Ressurge mais que o pensamento
E continua o eterno roteiro
Que não saberemos o começo e o fim.

Julho/2001
Série: Herdeiros da vida
Jardim de Rosas

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Dos milagres que ela realiza em nós,
Os sinais vermelhos e as cicatrizes,
São as evidências dos nossos triunfos.
Aos pés do Sol não chegaremos vestidos de anjos,
Mas de guerreiros fortes e sábios
Que conquistaram dimensões.
A cada dia surge um astro novo.
Nós estamos entre eles.
Não acorde para negar,
Nem pedir,
Mas para agradecer.
Adore a vida
E louve as suas decisões.
Os guerreiros do sol comandam as milícias de Deus
Suas espadas saíram das oficinas de Vulcano.

Julho/2001
Série: Herdeiros da vida

domingo, 3 de agosto de 2014

Do nada surgiu a vida?
Do poder ou da graça?
Que importa de onde veio a vida?
Só importa a existência,
A alma e o coração.
E onde estou é o abismo ou a montanha?
É o meio do mundo
Ou o meio do mar onde navego?
Porque perguntamos tanto e sentimos tão pouco?
Porque erramos demais erguendo moradas tão altas,
Mas vazias de amor?
O gesto seria bom se fosse generoso
E a obra revelaria Deus se não fosse destruidora.
Julho/2001
Série: Poemas Herdeiros da vida

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Apalavra não veio,
Nem o gesto e a obra.
Mas eu senti o clamor da ideia,
O baque do pensamento
Nas estrias mais sutis do universo.
Se eu senti, está bom.
É magnífico sentir o que existe aqui e ali,
É maravilha sentir que tudo existe,
E vem no momento exato
Como bilha que enche com a gota d’água.
Como o pastor que espera passar o dia
E a volta do rebanho, devagar.
A palavra não veio,
Mas eu vim e disse:
Nisto está a magia de tudo e do nada.

Dezembro/1998
Série: Serão sempre poemas
Jardim de Rosas

domingo, 18 de maio de 2014

Não eram luzes nem trevas,
Mas era o mundo e a vida.
Seres procurando no nada,
Tirando do vazio,
Regando as flores secas,
Rogando o impossível,
Acreditando na lei do termo mais oculto,
Anunciando o poder das probabilidades.
A ciência verdadeira que me geriu não erra.
E num dia exato me levantará da terra
Para confirmar que existo.
Assim sou eu.
Somos todos.
Saídos das resinas e dos lodos.
Esquadrinhados por todos os detalhes
Para um dia sermos inteiros
Como o poema.
Dezembro/1998
Série: Serão sempre poemas
NEUZA GALVÃO PINTO

domingo, 13 de abril de 2014

Do pouco que sobrou de nossos sonhos,
Do muito que sobrou de nossas vidas,
Os sonhos dos tempos de criança
Em que a alma leve era poesia.
Os sonhos ficaram muito grandes,
Não couberam mais aqui no chão.
Sonhos e ilusões fazem a vida
Que nos envolve em malhas de paixões.
Os sonhos não morrem,
Crescem e voam.
Vão nos esperar para o amanhã.
A vida caminha ao nosso lado
Criando impérios que nos custam heroísmos.
O que temos é tanto que não conseguimos carregar
Nas nossas vidas ricas e gloriosas.
Meus sonhos de mulher só foram sonhos.
A mão esquerda do meu destino
Só escreveu termos medonhos,
Que fizeram dos sonhos um desatino.
Na riqueza ideal que me cabia,
Não houve lugar para o amor que sonhei,
E que deveria ser muito maior.
O coração ainda inocente,
Foi também frágil e crente
Para conter as tantas ilusões.
E meus sonhos de mulher morreram cedo,
Foram como cinzas de um brinquedo
Que a gente esperou com alegria.
Abril /1998
Série: São sonetos
Jardim de Rosas

terça-feira, 4 de março de 2014

Aaltura das sabedorias
Que vem dos dragões e serpentes,
Já não sei qual é mais belo,
Se os céus ou os infernos.
Palavras de fé da minha alma
Que me levou ao abismo
Para ver a luz.
Que me pôs diante das trevas
Para que eu falasse com elas
E entendesse seus termos.
O mais belo e mais útil
É o que serve as multidões.
Pois elas sim,
Precisam de claridade e ajuda.
Por que haveremos de ajudar
Os que já estão cheios do espírito?
Os que mastigam o pó e bebem o veneno,
Tem prioridade perante Deus e os homens.
Julho/1997
Série: Estâncias
NEUZA GALVÃO PINTO

domingo, 2 de fevereiro de 2014

E falaremos do que às multidões?
Elas estão cansadas de caminhar
E de ouvir o que muitos já disseram.
E quem terá palavras novas e vivas
Que contentem as multidões
E preencham os vazios
Transformando o caos em água viva?
A mais velha das criaturas
Que viu o abismo e falou com as trevas,
Transformou-se em pedra.
Prefere o silêncio, a prudência.
Agora só os loucos falam.
Os dementes pregam em nome de Deus.
Ainda fala-se em pecado, em salvação,
Em céu e inferno.
Falar as multidões seria completar a verdade.

Agosto/1997
Série: Estâncias
Jardim de Rosas

sábado, 4 de janeiro de 2014

Os quatro maiores poderes
Levaram o homem mais velho
Para ver o abismo e falar com as trevas.
E ele não precisou de mais nada
Para conquistar a imortalidade
E dominar os elementos.
Os pássaros do céu se alegraram
Com a queda dos anjos,
E a escuridão os engoliu.
Por isto anunciou-se
A mais linda primavera.
Quem libertou a família humana
Acreditou no que só existia nas origens.
E era intocável e impossível.
A letra morta será queimada
Para que a palavra viva seja entendida.
Agora é preciso falar às multidões.
Julho/1997
Série: Estâncias